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Brites de Almeida | Padeira de Aljubarrota

Brites de Almeida | Padeira de Aljubarrota

Personagem lendária, Brites de Almeida, conhecida como Padeira de Aljubarrota, foi-lhe atribuído o feito de, com a pá do seu ofício, ter aniquilado um grupo de sete castelhanos famintos.

Brites de Almeida teria nascido em Faro em 1350, de pais pobres e de condição humilde, donos de uma pequena estalagem. A lenda conta que, era feia, alta e corpulenta, com força varonil, um verdadeiro virago de olhos muito pequenos, donde lhe veio a alcunha de Pisqueira. Acrescentam outros, ter revelado desde criança um génio irascível, temerário e desordeiro. Teria 6 dedos em cada mão, o que teria alegrado os pais, pois julgaram ter em casa uma futura mulher muito trabalhadora.

Seu pai era estalajadeiro e possuía uma casa de pasto em Faro, onde a moçoila trabalhava, servindo os fregueses e os hóspedes. O filho do alcaide de Faro, que frequentava a estalagem, procurou conquistá-la pela força; vendo-se ofendida e desrespeitada, atirou-lhe à cabeça uma bilha de barro, que o feriu. Brites de Almeida com medo de qualquer perseguição saiu de Faro e fugiu para Lisboa. Tendo-lhe mais tarde morrido o pai, regressou à estalagem de que era a herdeira e arrendou uma quintarola, parece que em Loulé, onde passou a viver.

Por motivo de amor, que se conta de várias maneiras, lutou com um seu pretendente e como era forte e decidida, matou-o nessa briga. Para evitar a prisão fugiu novamente, num barco, mas o vento levou-o para o mar largo onde ficou cativa dum mouro; já se encontravam na embarcação dois portugueses também prisioneiros. O muçulmano, dono do barco, levou-a ao mercado das mulheres em Argel, aí foi vendida a um mouro rico, referindo outros que se destinava ao próprio sultão. Ao que corre impresso, resistiu a muita violência, defendendo-se com coragem e sorte, tendo passado por grandes sobressaltos. Os pormenores do projeto da sua fuga do harém imperial devem estar bastante fantasiados no romance de Faustino da Fonseca. Brites de Almeida conseguiu libertar-se com mais dois portugueses que estavam ao serviço do mesmo senhor e disfarçada em traje mourisco, embarcou numa lancha, tendo chegado à Ericeira ao fim de quatro dias de tormentosa viagem.

Receando que a reconhecessem e lhe pedissem contas da morte que tinha feito, vestiu-se de homem e começou a fazer serviço de almocreve. A sua vida de condutora de bestas de carga foi também bastante acidentada. Neste seu novo mester envolveu-se, ou foi envolvida, em várias desordens e tendo sido acusada de outro morticínio, a Justiça tomou conta dela, encarcerando-a em Lisboa. Por se não ter provado o crime, ou por qualquer outro motivo, foi posta em liberdade. Depois de tantas agitadas aventuras, esta heroína popular foi parar a Aljubarrota, onde se ajustou como criada duma padeira. Segundo narra Faustino da Fonseca, Brites de Almeida deu notícias à sua ama do paradeiro do marido dela, revelando-lhe ter sido feito também cativo por piratas argelinos. Grata por esta revelação, a ama afeiçoou-se à serva e, quando morreu, Brites de Almeida herdou o forno, passando assim à História com o nome de Padeira de Aljubarrota.

Já antes de ir para esta vila estremenha, Brites de Almeida havia manifestado fervor patriótico e ódio aos castelhanos. Diz-se que apedrejou o Paço de S. Martinho, em Lisboa, quando do ilícito casamento de D. Fernando; consta ainda que vibrou de indignação contra Leonor Teles ao ter conhecimento do seu adultério e que aplaudiu o Mestre de Avis quando este matou o Conde de Andeiro.

Tinha Brites de Almeida uns quarenta anos quando se deu a Batalha de Aljubarrota; não entrou propriamente nesta batalha, pois foi após a vitória que a tradição assinala o seu patriótico feito. A padeira não estava no campo da refrega; estaria em Aljubarrota e a gloriosa batalha deu-se a onze quilómetros desta povoação. Relata Eduardo Marrecas Ferreira na sua monografia «Aljubarrota» (1931):


«Durante a batalha de Aljubarrota, Brites de Almeida, por entre o povo da vila, assistia ansiosa ao desenrolar da batalha de qualquer ponto elevado das cercanias, e muito folgou ao ver a derrota dos espanhóis.»

Foi após a vitória que os soldados castelhanos, na sua fuga desordenada, passaram pela povoação de Aljubarrota e neste transe a padeira empunhando a sua pá, matou uns soldados e perseguiu outros. Segundo outros historiadores, os sete castelhanos que ela matou estavam escondidos dentro do seu forno.
Diz-se também que, depois do sucedido, Brites teria reunido um grupo de mulheres e constituído uma espécie de milícia que perseguia os inimigos, matando-os sem dó nem piedade.

Rezam as crónicas que a pá foi escondida numa das paredes dos Paços do Concelho quando mais tarde os espanhóis nos dominaram e embora insistentemente procurada e requisitada, nunca a descobriram, nem lhes foi entregue, como tanto desejaram, alegando-se sempre não se saber que destino tinha levado.
A pá esteve assim oculta durante os sessenta anos do domínio filipino e só tornou a aparecer à luz do dia depois da gloriosa revolução que aclamou D. João IV, Rei de Portugal.

Ainda hoje, em Aljubarrota, se mostra essa pá ao turista que a deseje ver.


Os historiadores possuem em linha de conta que Brites de Almeida se trata de uma lenda mas, assim mesmo, é inegável que a história desta padeira se tornou célebre e Brites foi transformada numa personagem lendária portuguesa, uma heroína celebrada pelo povo nas suas canções e histórias tradicionais.
Alexandre Herculano que esquadrinhou o assunto, referindo-se à padeira escreveu:


Este sucesso tradicional, quer real, quer fabuloso, tem em qualquer dos casos, um valor histórico, porque é um símbolo, uma expressão da ideia viva e geral aos portugueses daquele tempo, o ódio ao domínio estranho, o rancor com que todas as classes de indivíduos guerreavam aqueles que pretendiam sujeitá-los a esse domínio.

Este fervilhar de memórias de tempos passados é o pretexto ideal para se visitar e descobrir as ruas, as vielas e o casario branco que caracterizam a vila de Aljubarrota.